segunda-feira, outubro 22, 2007

Deformações

“Um só é legislador e Juiz, aquele que pode salvar e fazer perecer; tu porém quem és que julgas ao próximo?” Tiago 4:12

Estou lutando com minha visão tem algum tempo. Comecei a usar óculos e o problema não resolvia completamente; continuava vendo as coisas embaçadas e com dificuldade. Finalmente descobri o meu problema: estou com ceratocone. Segundo a wikipédia: “O ceratocone pode ser definido de forma geral como uma deformação coniforme da córnea em forma de ectasia. É uma desordem ocular não-inflamatória que afeta a forma da córnea, provocando a percepção de imagens distorcidas. A dificuldade na percepção das imagens é similar à provocada pelo astigmatismo e nos casos mais avançados a visão é muito baixa ou totalmente borrada. Não há consenso a respeito da origem da patologia, acredita-se que tenha relação com o hábito de coçar os olhos em pacientes com rinite alérgica”.

O que me chamou muito atenção foi o fato que eu tenho ceratocone apenas no olho direito enquanto que meu olho esquerdo enxerga perfeitamente. Mas como isso é possível? Nas minhas crises alérgicas os meu dois olhos sofreram com as minhas mãos. Nunca poupei um em detrimento do outro, nunca “protegi” o meu olho esquerdo. Os dois coçaram. Os dois foram esfregados. Os dois sofreram as mesmas pressões. Por que então um olho está tão danificado e outro quase não tem nenhuma seqüela? Após exames veio a resposta: minha córnea direita é muito mais fina que a minha córnea esquerda. Até agora não sei se me acho “meio sortudo” por ter uma córnea grossa ou “meio azarado” por ter uma córnea tão frágil, mas o fato em questão é que os meus olhos não são iguais e o que causou dano para um não causou para o outro. A pressão atuou de maneira diferentes neles.

Após sair do médico fiquei pensando que se eu soubesse que meu olho direito era tão frágil não teria o coçado com tanta força tantas vezes. Para não machucá-lo teria sido mais gentil. Teria feito de tudo para poupá-lo e com isso seria beneficiado com a sua visão. Apesar da sua debilidade, continuo apreciando o meu olho. Não o desprezo, pelo contrário, desde o dia em que soube do problema passei a tomar cuidado com ele. Estou adquirindo uma maior sensibilidade e consideração por saber que ele não agüenta a pressão.

Meus pensamentos também me levaram a concluir que não tenho o direito de julgar as reações de ninguém. Não é porque agüento uma determinada pressão que meu irmão também irá agüentar. Possuímos estruturas diferentes e por isso mesmo reagimos de maneira diferente. Quando condeno alguém por não reagir da forma que eu esperava, demonstro uma ignorância maligna que despreza variáveis e situações que estão fora da minha percepção. É por isso que Deus é o único capaz de “Julgar retamente” (I Pe 2:23), apenas Deus conhece todas as circunstâncias que nos pressionam e quais são as nossas verdadeiras motivações.

Meu olho direito era perfeito mas tornou-se debilitado porque eu não me atentei para a finura da sua córnea. Quando aceitamos as deformações mútuas paramos de questionar a “fragilidade da córnea alheia’ e passamos a nos preocupar em preservá-la para que ela não continue se deformando e perca ainda mais a visão. Assim, de acusadores passamos a intercessores; de impiedosos a misericordiosos; de senhores a conservos; de opositores a colaboradores.

É provável que as deformações continuarão existindo em nossas vidas, porém naquilo que sou forte ajudarei o fraco na sua debilidade e vice-versa. E, assim, juntos, enxergaremos com clareza.


“Respondeu-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: nós vemos, subsiste o vosso pecado.” João 9:41

“O Senhor abre os olhos aos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor guarda o peregrino.” Salmos 146:8-9a